Resenhas

Resenha de Geographies of Communication, capítulos 3 e 4


Land Art – Robert Smithson

Continuando a discussão do Geographies of Communication, resenha do Paulo Victor dos capítulos 3 e 4.

 

Capítulo 3: Media Studies, Geographical Imaginations and Relational Space

Escrito por Richard Ek, professor da Lund University, na Suécia, este capítulo tem a proposta de traçar conceitos diversos acerca do entrelaçamento entre os estudos geográficos e midiáticos. O autor realiza uma ótima revisão teórica da área, de modo a contextualizar as discussões trazidas pelo restante do livro, buscando, num mesmo movimento, promover o interesse pela interseção das duas áreas.


Ek inicia sua abordagem propondo algo que faltou ser melhor talhado nos textos iniciais da obra (Geographies of Communication, de Falkheimer e Jansson): uma definição mais precisa para o que se cunhou de “virada espacial” nas ciências sociais. Em sua abordagem, o termo denota a mudança do olhar lançado para o espaço e para a vida humana, passando este a ser mais crítico e interpretativo, à maneira como o tempo e a história foram observados durante, por exemplo, o século XIX. Na base desse ponto de vista, encontra-se o pensamento do filósofo Henry Lefebvre e sua tríade sobre o espaço (concebido, percebido e vivido). Para além dessa dialética socioespacial, há também o entendimento de Edward Soja, para quem “a produção do espaço é tanto um meio como um resultado da ação e das relações sociais” (p. 48).

Tais visões são pilares para entendermos como a vida humana se dá nos lugares, além de buscarmos as formas pelas quais tais dinâmicas são espacialmente representadas. Em outras palavras, cabe dizermos que o espaço não é algo dado, uma existência em si mesmo, mas sim um processo, como um verbo em constante conjugação. Nas palavras de Ek, “there is no space, only spacing” (p. 51).

Outro ponto ressaltado pelo autor diz respeito às conexões entre as unidades que compõem o lugar. Buscando no pensamento de Michel Serres a ideia de topologia, Ek procura mostrar como não podemos problematizar apenas a disposição ou os limites euclidianos do espaço, mas como é fundamental ter em vista suas propriedades que independem das métricas. O que se busca frisar, portanto, ecoa nas palavras de Bruno Latour e na Teoria Ator-Rede: não importa exatamente as distâncias entre os elementos que formam um dado espaço ou uma rede, mas sim os elos e as ações entre eles. É o que Nigel Thrift cunha por conectividade, em franco ataque à noção de escala.

Essa contenda, aliás, talvez merecesse um exame mais acurado no texto em questão. A escala, por diversas vezes, é vista como portadora de propriedades hereditárias determinísticas – elementos contidos em recipientes maiores ganhariam características deste, e tal ideia pode ser aplicada tendo em vista a relação de um bairro para com sua cidade ou uma cidade para com sua região. No entanto, em termos de comunicação, é necessário notar que há fluxos entre os mais diversos pontos topográficos – de TV e rádio a blogs e SMS, passando por ligações telefônicas a conversas interpessoais. Longe de considerar a escala como algo problemático – afinal ela tem sua importância enquanto instrumento de análise geográfica – é necessário considerar a conectividade entre os elementos constituintes de uma rede – e, tendo em vista a ação aí existente, quaisquer noções de escalonamento e hereditariedade podem vir, de fato, a desmoronar.

Da mesma forma, todavia, como é necessário pautar as transições comunicacionais e interativas em ambientes online, por exemplo, igualmente se faz importante, para os estudos da Geografia da Comunicação, resgatar estudos ditos mais pessimistas, como os realizados por Edward Relph, Marc Augé e Paul Virilio. O primeiro utiliza-se do termo “placelessness” para indicar uma noção de esvaziamento do espaço: a partir da combinação entre o desenvolvimento tecnológico e o aumento de mobilidade dentro da sociedade do consumo, teríamos uma certa homogeneização dos lugares. Para Relph, dessa forma, ocorreria um enfraquecimento das identidades de cada lugar. Em sentido similar, Ek cita Augé com sua noção de “não-lugar”, caracterizado pela coexistência das pessoas ao invés de uma vivência coletiva, fenômeno verificável em lugares de passagem, como aeroportos ou shopping centers. Já sobre Virilio, Ek cita sua crítica sobre o velocidade de nosso tempo, a qual esfacelaria nossas formas tradicionais de deslocamento. Apesar da perspicácia dos autores – suas devidas críticas eram apropriadas a seus contextos – não se pode deixar de perceber que shoppings ou estações de metrô e mesmo toda nossa atual capacidade de mobilidade (o que John Urry chama de “motility”) parecem favorecer o surgimento de novas práticas sociais, especialmente para as gerações mais recentes.

Para concluir, Richard Ek reforça sua posição de que os estudos em Geografia da Comunicação estão alinhados com a ideia de que o espaço é produzido pela ação, sendo algo fluido e inconstante. O autor reconhece nas palavras de David Harvey e Henry Lefebvre a compreensão de que qualquer discurso sobre o espaço está embutido em um conjunto ideológico e tal reflexão deve ser um esforço por parte dos pesquisadores que desejam lidar com a interseção entre comunicação e geografia. Dessa maneira, nossos textos não apenas atuam na produção do espaço como também são produzidos por ele. Há um movimento de duplo fluxo, portanto.

Capítulo 4: Electronic Geographies

Neste capítulo, o autor Göran Bolin, professor da Södertöm University College, em Estocolmo, realiza um estudo de uma campanha publicitária para a melhoria da imagem da Estônia, lançando o foco sobre as formas pelas quais o discurso cria o lugar. Sua abordagem se aproxima rapidamente dos estudos de media effects, embora o autor não tenha mostrado pesquisas que nos falem da situação posterior à campanha.

Para Bolin, atualmente não há fenômeno descolado de qualquer eixo midiático. Dessa maneira, busca entender o papel da mídia para a cultura e sociedade. O autor busca, assim, mostrar o que entende pelos termos – uma discussão demasiadamente longa e até desnecessária para um artigo que se valorizaria ao ser direto, pontual. De modo resumido, para ele a cultura é uma descrição de um modo de vida particular, o conteúdo que preenche a sociedade, enquanto esta seria justamente uma forma de organização humana. Em diversos momentos, Bolin cita autores variados, a exemplo de Marshall McLuhan, Raymond Williams, Henry Lefebvre, Denis McQuail e Jürgen Habermas, mas muito mais como uma forma de dar base a quaisquer argumentações, sem, no entanto, se ater particularmente ao pensamento de nenhum.

Preparando um terreno para sua análise mais à frente, Bolin se remete à ideia de paisagem midiáticas, trazendo à tona três tipos de visualização sobre o espaço: o terreno, o mapa e o simulacro. A primeira categoria engloba o ambiente físico que nos envolve e, tendo em vista os estudos midiático, as relações óbvias entre diferentes tecnologias de comunicação – desde TV e rádio a computadores, tablets, DVDs, mp3 players etc. Passando para um arranjo mais abstrato, chega-se à noção do mapa, quando nos deparamos, a certa distância, com diferentes arranjos tecnológicos, sem contudo distingui-los muito bem. Nesse nível, pensa-se em representações mais genéricas. Ironicamente, o texto ressalta que o valor dos mapas se dá precisamente por sua veracidade: tanto mais verossímil ao mundo, mais bem avaliado será o mapa em questão. É precisamente neste ponto que chega-se à dimensão do simulacro, quando o discurso opera alguma força sobre a realidade.

Para além de suas dimensões, Bolin também divide as paisagens midiáticas em outros duas categorias: as relações tecnológicas e as de representações. A primeira trata de pensar a materialidade e a disposição das coisas no espaço. Fazendo um paralelo com Paul Adams e seu Geographies of Media and Communication, é o que seria chamado por este de mídia no espaço. O movimento inverso, todavia, também pode ser observado: Bolin cita o aparecimento de fios telefônicos, o que modificou radicalmente as paisagens urbanas, dando origem a obras que versavam sobre tal fenômeno. Nas palavras de Adams, aqui já se daria também o espaço na mídia.

Para o artigo em questão, entretanto, o mais útil é o nível das representações, que trata de pensar que cada explicação sobre o mundo apresenta sobre este alguns impactos. O autor fala da pintura de paisagem no século XIX e sobre como esse tipo de representação genérica esteve envolvida com projetos nacionalistas. É o que se verá a seguir em sua análise midiática. Em seu estudo, Bolin lança seu olhar sobre os modos pelos quais as paisagens midiáticas atuam na construção de culturas e da sociedade. Seu recorte se dá em relação à Estônia, tendo como objeto de estudo uma campanha lançada em 2001 para a promoção da imagem do país num grande concurso de música europeu.

Neste ponto, Bolin mostra basicamente uma análise realizada em cima de algumas peças impressas, como cartazes, com atenção especial às escolhas tipográficas e imagéticas. Não se trata de uma análise meramente formal, mas de conteúdo, com o intuito de compreender as mensagens que se desejavam comunicar. Diante de sua observação, os pontos que merecem maior relevo são:

As peças usavam as línguas estoniana e inglesa, não Russo, o que mostrava a clara separação entre os dois países, ocorrida com o fim da União Soviética em 1989.
O mapa da Estônia utilizado possuía um corte no Leste, referente, mais uma vez, à separação com a cultura russa.

A paleta de cores foi cuidadosamente pensada para evitar vermelhos, tradicionalmente associado ao Socialismo e à antiga URSS – mais um elemento a afastar a atual Estônia da velha união socialista.

As fotografias utilizadas mostravam pessoas “descontaminadas” no pensamento soviético, mostrando um alinhamento a padrões culturais do mundo ocidental.
Por fim, Bolin busca uma conclusão, questionando: a representação feita da Estônia é real? Sua resposta se limita a dizer que não se pode fazer tal julgamento. São reais, sim, para algumas esferas. O discurso, assim, é a realidade. Para o autor, fica claro que a campanha tenta instaurar uma visão determinada da Estônia no exterior, mas não considera em nenhum momento uma possibilidade de diálogo entre (segundo modelos mais tradicionais de comunicação) o emissor e o receptor da mensagem. Não obstante, a análise de Bolin é rápida, pouco descritiva (pressupõe conhecimentos prévios sobre a história da Estônia) e utiliza parcamente as bases teóricas lançadas na maior parte do artigo.