Resenhas

Resenha de Shaping Technology – Capítulo 3: A construção social da luz fluorescente

(Cartaz da General Electric de 1940)

A incapacidade de um modelo “lógico” de desenvolvimento abarcar certos artefatos. Tal é a questão de Wiebe E. Bijker no terceiro capítulo de Shaping Technology. Como exemplo, o autor narra a história da lâmpada fluorescente, constantemente redesenhada pela pressão de diversos grupos desde o lançamento dela – ou seja, já no estágio de difusão.

(Wiebe E. Bijker)

Conceitos e métodos de pesquisa

Entre os principais conceitos utilizados estão:

Grupos sociais relevantes;

Flexibilidade interpretativa.

Para descobrir grupos importantes a cada específico estudado, bastaria seguir os atores envolvidos. Como demonstração, Bijker rastreia – através de documentos – Howard W. Sharp, envolvido através de um comitê referido por ele como parte de um grupo, nomeado no texto como concessionárias.

Para o autor, alguns conjuntos teriam consciência da própria força, podendo lutar pela manutenção da integridade do todo. Outros, apesar de não saberem, seriam importantes nas estratégias: como as donas de casa, preocupando-se com as despesas, beleza e conforto do lar, influenciariam o mercado de lâmpadas que tenta conquistá-las. Assim, “grupos sociais” seria uma categoria de atores.

Deixar ator falar, não criando ajuntamentos a priori (as “donas de casa” podem não exercer um papel homogêneo e, dependendo do momento, forçar de maneiras distintas, necessitando de divisão), tendo atenção em relação a porta-vozes, não imputando-lhes interesses ocultos – como, para o autor, o fariam o estruturalismo marxista e o funcionalismo parsoniano – são alguns dos procedimentos listados. Mais importante, confiar na “intuição” para saber quais grupos realmente são importantes/relevantes, em qual ponto parar de procurar novos atores, quando dividi-los… Grupos sociais seriam atores e uma categoria de análise, além de um conceito de análise.

(Brasão retrô da General Electric)

Lâmpada Fluorescente – Grupos sociais relevantes

– The Mazda Companies

General Electric e a Westinghouse, empresas por trás da marca de lâmpadas Mazda. A primeira  tinha 90% do mercado de incandescentes entre 1913-1940 e liberava dois tipos de licença: na A, exclusiva da Westinghouse, havia o direito de produzir uma porcentagem das lâmpadas da General Electric e o uso da marca; na B, a quantidade era menor e sem o direito à marca, modalidade da Hygrade Sylvania Corporation.

Parte importante do domínio do mercado dava-se pelo relacionamento com as concessionárias de eletricidade – exemplo de quando grupos sociais se retroalimentam –, promovendo uso de equipamentos elétricos, aumentando consumo de energia.

– Concessionárias

Operadoras das centrais de energia que, apesar de independentes, agiam pelo interesse comum. Cerca de cem delas pertenciam ao Edison Electric Institute (EEI), outras à Association of Edison Illuminating Companies (AEIC), representadas pelos membros em encontros ou comitês em prol do direcionamento da indústria.

Dois importantes comitês eram o Lighting Sales Committee e o Lamp Committee, ambos muito próximos às Mazda, pensando conjuntamente políticas de manufatura, distribuição, promoção e uso de lâmpadas incandescentes.

Havia ainda o Electrical Testing Laboratories, responsável pelo teste de equipamentos.

– Fabricantes de dispositivos elétricos

As Mazda produziam, na maioria, lâmpadas. Soquetes, refletores etc., eram de responsabilidade de companhias menores, trabalhando sob especificações das contratantes e testadas pelo Electrical Testing Laboratories.

– Os independentes

(antiga marca da Sylvania)

Não ligados às Mazda. Entre eles, a Hygrade Sylvania – a da licença B para as lâmpadas incandescentes –, que competia no terreno das fluorescentes com tecnologia própria, rapidamente abarcando grande parte do mercado.

– Consumidores

Sem porta-voz direto, levados em conta por vias mais complexas que a compra e venda direta, de modo que era importante atender – e direcionar – os anseios deles, conquistá-los etc.

– Governo

Dividido em duas frentes: a Antitrust Division do Departament of Justice, acionando a justiça contra as Mazda em 1942, e o War Department, interferindo junto ao Procurador-Geral para que a ação antitruste não atrapalhasse o papel importante desse grupo na guerra.

Lâmpada Fluorescente – Flexibilidade Interpretativa

 Diferentes grupos sociais relevantes atribuem diferentes significados a algo. Em consequência, o desejo por “lâmpadas fluorescentes” se dividia em: lâmpadas fluorescentes coloridas; lâmpadas fluorescentes daylight (“luz do dia”, “brancas”) de alta-eficiência; e lâmpadas fluorescentes daylight de alta-intensidade.

 

(Cartaz da Westinghouse, parceira da General Electric)

Descrição do Percurso

 Lançada em 21 de abril de 1938 pelas Mazda, as lâmpadas fluorescentes coloridas, melhores e mais variadas que incandescentes coloridas, apesar do custo elevado de instalação, eram de 30 a 40 vezes mais eficientes que as contrapartes.

Bijker nota como uma série de outros experimentos, iniciados nos idos 1860, representavam uma busca por lâmpadas não-incandescentes brancas para interiores, sendo as fluorescentes coloridas um “desvio” da linhagem.

Parte do não questionamento das concessionárias ao fator “cor” dava-se pelo entendimento fornecido pelas Mazda, que não via o produto como “revolucionário” e nem alternativa às incandescentes brancas.

Apesar disso, pouco depois surgiriam as lâmpadas fluorescentes brancas de alta-eficiência, carregada de várias promessas (300-200 vezes mais luz que incandescentes da mesma voltagem, não elevação da temperatura do ambiente, maior economia etc.). Iniciou-se a primeira grande controvérsia.

A (medo da) “crise” do consumo

Se mais econômicas, eram uma ameaça às concessionárias, que, porém, argumentavam serem tais lâmpadas inexistentes, pois não eram tão eficientes como o prometido, a não ser em condições especiais. Essa acusação voltou-se contra elas, com as Mazda apontando interesse próprio nessas observações “falsas”.

Havia ainda contra as lâmpadas o problema da imprecisão da estimativa de vida útil, potencialmente 1500 horas, mas talvez mais de 15000 horas, diminuindo as vendas no futuro.

Em resumo, a estabilidade do terreno havia mudado, causando insegurança sobre o futuro para ambas as partes. O que foi ressaltado por outro fator.

(Anuncio da Westinghouse)

 Concorrência

A Hygrade Sylvania Corporation começou a vender as próprias fluorescentes brancas, com tecnologia distinta, alcançando rapidamente grandes vendas, com o agravante de não estarem atreladas aos outros grupos, preocupando tanto Mazda (venda de lâmpadas) quanto concessionárias (consumo elétrico baixo).

 Visando frear a concorrência, tentou-se estimular – e controlar – a produção de peças das companhias menores, mas tal solução veio atrasada por conta da dificuldade das especificações. No meio tempo, outra solução foi encontrada.

Lâmpadas fluorescentes brancas de alta-intensidade

Bijker traça a resolução do problema levando em consideração objetivos, correntes teóricas e estratégias de solução de problema das partes interessadas.

Para as Mazda, nesse contexto, o importante era vender lâmpadas, tendo como base teórica o desenvolvimento técnico da física elétrica e da descarga de gazes.

Para as concessionárias, a questão era de venda de eletricidade, partindo de conhecimentos da física elétrica.

Entretanto, para as concessionárias, a base teórica anterior seria sobrepujadas pela “ciência das vendas”, focada em servir/ensinar o público. Interessada na qualidade da luz (brilho, contraste, sombras, difusão, intensidade), numa política de “resultados para os consumidores”, condicionou o surgimento do Cooperative Better Light-Better Sight Movement, procurando uma relação de confiança com público, ao invés de impor uma realidade a ele – em certos momentos.

A solução dos conflitos veio apenas em 24-25 de abril de 1939, num “conselho de guerra” no qual foi tirada a diretriz de que as lâmpadas fluorescentes deviam ser de alta-intensidade, logo, de maior consumo, salvando a cooperação entre os dois grupos.

Problemas pós-crise

Entre os grupos, ainda perduravam várias questões: apesar de definido – não na sala de desenho, mas na deliberação política – como seriam as lâmpadas, faltava desenvolvê-las, o que envolvia o cancelamento dos modelos anteriores – iniciativa não levada ao público –, a criação de um novo discurso de vendas, envolvendo a “naturalidade” de luzes mais fortes, além de um padrão de cálculo de custos., sem contar outras fricções referentes a medo de quebra o acordo e a promoção das vendas das lâmpadas Mazda.

(General Electric)

Conclusões

Na resolução pela negociação entre interesses na etapa da difusão, ficaria evidente a não-linearidade do processo produtivo, o qual teria paralelo com várias tecnologias contemporâneas. Além, ressalta-se a integração entre forças: a necessidade de modelar a sociedade, fornecendo padrões e negociando as visões distintas, ao mesmo tempo em que tais interpretações pressionam e modelam a construção de uma tecnologia, todos formando uma “rede sem interrupções” (“seamless web”).