Resenhas

Resenha de Urban Assemblages: últimos capítulos

Resenha de Assembling Money and the senses:
revisiting Georg Simmel and the city Michael Schillmeier
do Livro FARIAS, Ignacio; BENDER, Thomas. Urban Assemblages: How Actor Network Theory changes Urban Studies. London: Routledge, 2010.

Michael Schillmeier apresenta o trabalho de Georg Simmel sobre a modernidade urbana como uma forma precoce da Teoria Ator-Rede, inter-relacionando ambas a partir das suas propostas de mover o foco dos estudos sociológicos das macroestruturas para as microestruturas (ou micro-relações). Desta forma, os próprios processos a partir dos quais humanos e coisas se associam no espaço urbano (espaço-tempo de intermitentes traduções e modificações das configurações humanas e não-humanas), são uma oportunidade de problematizar o questão a partir da Teoria Ator-Rede.

O “terceiro elemento” Georg Simmel e os “mediadores e intermediários” de Bruno Latour.
Em “Sociology of the Senses”, publicado por Simmel em 1997, era ressaltada a importância de estudar as cidades assim como os organismos são estudados: a partir da decomposição das suas relações microscópicas para a composição de um quadro macroscópico maior. Neste sentido, a sociologia dos sentidos de Simmel, busca entender o sentido da percepção(e influência) sensorial mútua na vida social dos seres humanos. Um dos principais argumentos era que as especificidades culturais e complexidade da vida humana subjetiva estão intrinsecamente ligadas à maneira que ele se relaciona com o mundo dos objetos (elementos não-humanos) – que possuem seus próprios sentidos, regras, valores para além da vida social e humana. Aproximando esta ideia da perspectiva de Latour apresenta, lê-se que os objetos não são apenas objetos (ou matters of fact), mas são matters of concern: nossos interesses / utilizações formam o seu próprio ser.
Schillmeier destaca a necessidade, apontada por Simmel, de repensar as relações entre objetos e sujeitos. As visões Cartesianas e Kantianas desta situação problema são úteis pois trazem reflexões, respectivamente, sobre liberdade e necessidade e sobre sujeitos e objetos; porém, enquanto elas traçam uma visível divisão entre sujeito e objeto, é deixado de fora um terceiro elemento que media a relação entre humanos e não-humanos – e nossas relações sociais com as coisas. Para Schillmeier, a noção de ator-rede é o que Simmel buscava ao levantar a necessidade deste terceiro elemento de mediação, pois os atores-rede “dão voz” à este terceiro elemento (como dinheiro e tecnologias), configurando humanos e não-humanos como sujeitos e objetos. Ou seja, o ”terceiro elemento” de Simmel são os “mediadores e intermediários” da Teoria Ator-Rede.

É destacado por Schillmeier o entendimento de Simmel em relação ao dinheiro, que se aproxima bastante da Teoria Ator-Rede ao pautar as relações de intermediação entre seres humanos e os “immutable mobiles”.

O dinheiro como immutable mobile

As reflexões do autor sobre o dinheiro mostram como a economia moderna e a vida urbana são baseadas nos relacionamentos sociais e suas especificidades, construídas pela mediação destas relações pelo dinheiro. O dinheiro aproxima o humano do não-humano, mas o faz de forma a preservar suas diferenças (e divergência), dividindo-os entre sujeitos e objetos. Desta forma, ele funciona como um terceiro elemento, que intermedia a relação dos homens com os homens e dos homens com as coisas.
Simmel explora esta relação mostrando como a vida urbana é definida pela economia monetária, que nos faz agir como se apenas questões de ordem prática / imediata nos concernissem. A circulação do dinheiro está:

1. precipitando, individualizando e racionalizando a vida humana;

2. nos separando entre objetos que calculam e que são calculáveis; assim como está

3. objetivando as relações entre sujeitos.

A circulação de dinheiro estende os círculos e as relações sociais, portanto, Schillmeier sugere que o fator monetário seria mais um sistema de entidades heterogêneas que media as práticas se sociabilidade, alterando as práticas da vida cultura humana e as realidades (e limites) relevadas (e expandido) pela sua dinamicidade.

O autor reforça o papel crucial que o dinheiro tem na sociedade moderna, ressaltando sua ação, na perspectiva da Teoria Ator-Rede, como immutable mobile que conecta bens à lugares – pois ele é móvel, contável, combinável e pode circular das coisas que o valem até àquelas que o dão valor.

Resenhas Capitulo 11 e Posscript, por Talita.

Capítulo 11
City as value locus: markets, technologies, and the problem of worth
Caitlin Zaloom

Nesse décimo primeiro capítulo do livro Urban Assemblages, Caitlin Zaloom apresenta sua descrição da rede de actantes que faz com que a cidade de Chicago tenha o que a autora chama de valor lugar. Zaloom tenta mostrar como arquitetura, posição geográfica, acordos políticos, o expertise dos operadores da bolsa de valor e a organização física do mercado associaram-se ao decorrer dos anos e resultaram na criação do reconhecimento da cidade como uma das mais importantes para o comércio no mundo.

Logo após sua fundação, Chicago se estabeleceu como ponto de compra e venda de produtos no meio-oeste americano, em grande parte por sua posição geográfica ás margens dos grandes lagos e do Rio Mississipi. Para a autora, essa vantagem comercial fez que a infraestrutura da cidade se desenvolvesse, especialmente nos transportes, com estradas de ferro, e nas comunicações, com as redes de telégrafo e, mais tarde, telefone.

Zaloom conta que no início deste século, já dotada de infraestrutura e de redes de conexão, a cidade ainda precisou criar, através da Câmara de Comércio, um padrão de medidas para que os produtos circulassem mais facilmente e a informação das cotações das mercadorias fosse vista como confiável. No início alojada em um prédio de quatro andares, a Câmara de Comércio de Chigaco organizava as trocas comerciais. Para que essas trocas mantivessem a mesma intensidade, a cidade precisava agora de um mercado que trouxesse um grande número de operadores juntos em um mesmo local e tempo, de uma bolsa de valores que hospedasse pregões de compra e venda.

Para que as novas instalações cumprissem seus objetivos, a Câmara de Comércio pediu aos arquitetos que escolhessem materiais que absorvessem o excesso de barulho e fossem agradáveis de se andar, uma vez que os operadores passavam o dia em pé gritando os valores das ações. O novo espaço garantia a todos os operadores acesso igual às informações que eles precisavam, mas com os anos 90 chegou a necessidade de buscar informações em outros locais passavam que não apenas os painéis de compra e venda da bolsa. Assim, foram feitas alterações no prédio e na disposição das linhas de telefone. Para a autora, essas mudanças começaram a mexer não apenas na estrutura física do mercado, mas também em sua estrutura temporal. O design da bolsa ancorou o mercado dentro dos pregões ao mesmo tempo em que criou linhas de comunicação que o deslocava.

O mesmo tipo de mudanças pode ser observado com a chegada da Internet e, a partir daqui, Zaloom passa a contar os fatos que culminaram no estabelecimento dos pregões virtuais e na manutenção do status de Chicago como cidade especilista no desenvolvimento de mercados. O primeiro sistema de pregão eletrônico apenas reproduzia as cotações das ações, sem possuir as mesmas qualidades de centralidade espacial e temporal do piso de negociações da bolsa. Novos sistemas foram criados e passaram a agregar todas e demandas e ofertas possíveis, ao mesmo tempo.

O surgimento do comércio eletrônico também provocou mudanças nas bolsas européias. A Bolsa de Londres perdeu as negociações do Tesouro Alemão para a Eurex, pregão eletrônico que funcionava no horário de Frankfurt. Com os pregões eletrônicos consolidados, a autora afirma que os operadores de todo mundo passaram a fazer com o que o mercado se expanda e se contraia conforma o dia passa. As operações começam a acontecer na Eurex e seguem o fuso horário, passando por Londres até encerrar o dia de negociações em Chicago.

Pelo expertise de implantação do sistema de pregão eletrônico, os operadores e a própria cidade de Chicago agregaram ainda mais valor ao lugar da cidade. Zaloom conclui o texto afirmando que mesmo com a redes de informação, Chicago continua coordenando o fluxo de informação, assim como faziam os fundadores da Câmara de Comércio nas margens pantanosas do lago Michigan no século XIX.

O texto todo segue como uma descrição de eventos históricos e decisões comerciais. A ideia da rede de actantes, do mapeamento de controvérsias e da formação de caixas-pretas é perceptível, mesmo que autora não faça nenhuma citação direta a Teoria Ator-Rede. Aliás, o tom do texto é o de uma narrativa, sem revisões de literatura ou contraposição de autores, uma verdadeira história de rede contada por seus actantes.

Postscript
Reassembling the city: networks and urban imaginaries
Thomas Bender

O último texto livro retoma os pontos centrais da Teoria Ator-Rede, articulando-a com o estudo das cidades. Bender retoma alguns dos estudos trazidos no decorrer de Urban Assemblages e aponta perspectivas de estudo dos fenômenos urbanos a partir da TAR.

Bender começa o texto falando de sua própria experiência com a teoria, quando percebeu que os autores com que vinha trabalhando não possibilitam um estudo que enfatizasse as qualidades das relações para definir uma comunidade, o passado e o presente – seu objeto de estudo.

Segundo ele, ao entender a cidade combinação complexa de natureza e do trabalho humano e ao incluir humanos e não humanos nas análises, a TAR ajuda a resolver o problema da separação entre homem e natureza. Ele cita o texto Graham sobre o Furacão Katrina que propõe que ninguém pode imaginar a cidade sem natureza.

Outro problema que a Teoria Ator-Rede resolve é a da suposta homogeneidade da cidade. Segundo Bender, certamente cometeremos um erro se começarmos com o pressuposto de que a cidade é um todo, uma totalidade representada como contida ou identificada pelo espaço territorial que dá forma as relações sociais.

Essa extensão das redes e a simetria entre os actantes são para Bender a sua principal virtude, mas também uma fraqueza. Em sua leitura, a TAR nivela o significado dos atores e faz com o que resultado de uma ação seja de responsabilidade coletiva. Mesmo marcando a ideia de Latour de que a diferença entre não-humanos e humanos seja a intencionalidade, Bender contra-argumenta que se uma ação requer o ator-rede inteiro, a não-ação seria o resultado da recusa de um ator, porém, um ator pode se recusar a enquanto muitos outros podem agir.

Outra questão levantada no texto é a de se esse método de micro-análise pode ser eficiente na escala metropolitana ou dar conta da extensão geográfica de uma metrópole. Concordando com Thrift, o autor reforça a ideia de que a TAR apenas funciona para o estudo de situações bem definidas e que mesmo estudos anteriores sobre cidades se debruçaram sobre sistemas fechados como redes de energia.

A partir desse ponto, o autor recupera alguns dos capítulos anteriores para retomar conceitos gerais da Teoria Ator-Rede e passa a discutir os vários conceitos de cidade que se aplicam ao método. Para ele, a teoria produz descrições muito detalhadas dos atores-rede em relação a uma variedade de fenômenos urbanos específicos, por isso, sua maior contribuição seria a de uma teoria de distribuição da agência na rede de atores. Bender usa Lefebvre para falar que as cidades podem, então, ser entendidas como uma precipitação da história, uma vez que as cidades representam a inscrição do tempo no mundo e a história não é um pano de fundo, mas um ator participante das redes.

No tópico Assembling the City, o autor passa a fazer paralelos entre a TAR e a sociologia. Ele lembra que a sociologia nasce da necessidade de criar um sentido para novo padrão de relações sociais que a cidade estabelece e recupera as ideias de Gabriel Tarde. Para Tarde a sociedade é feita de pequenos grupos interativos, é uma invenção contínua dirigida pela atividade dos grupos que encenam um processo de imitação e inovação.

O texto argumenta que a hostilidade da Teoria Ator-Rede com a noção de grandes padrões sociais leva a considerar que deve-se examinar os lugares temporários onde as pessoas vivem suas vidas, os lugares comuns. Como a cidade é feita de muitas redes, para Bender, na pesquisa prática, o número dessas redes deve ser delimitado pelo número de perguntas que se busca responder.

O autor usa o trabalho de Latour no livro Paris Cidade Invisível para começar a desenhar a ideia principal que apresentada no texto, de que a cidade pode ser compreendida como imaginada. Refletindo sobre o livro, Bender sugere que se Latour continuasse a explorar a cidade de Paris, seria provável que ele fosse forçado a expandir e enriquecer a TAR para explicar a força institucional.

Na leitura de que par a Teoria Ator-Rede uma não ação requer tanta explicação quanto uma ação, para Bender a metrópole deve ser compreendida como uma combinação de elementos estabilizados e desestabilizados que está constantemente em processo de transformar e destruir, reconstruir e não arruinar.

Para terminar o texto, o autor apresenta as ideias de Kevin Lynch no livro The Image of the City, que mostra através de mapas cognitivos feitos por pessoas que moramos na cidade que fazemos. O imaginário urbano faz parte do agrupamento que inlcui os meios de comunicação e inventa a cidade. Essa metrópole imaginada dá forma ao que as análises sociológicas ou históricas apenas abordavam parcialmente.

Para Bender, a imaginação serviria como uma cola metafórica, ordenando e acumulando agrupamentos. A questão não seria a de se o social e o mental correpondem-se, mas se a construção imaginativa sustenta um sentido de ordem social. Desse modo, a TAR poderia pontuar nossas análises e nossas políticas, proporcionando muitos pontos de intervenção. Citando Amin e Thrift, a cidade moderna é tão continuamente em movimento e tão cheia de interações inesperadas que é rica em fontes de intenvenção política.

É desse modo que o autor retoma a ideia central de The Public and the Problems de John Dewey,
que julgava atos politicos e o verdadeiro valor das ideias por suas consequências, imaginava a política na forma de um público ativo tomando uma formação social solicitada do bem estar.

Bender acredita que a Teoria Ator-Rede se aproxima desse entedimento quando Latour sugere que os parlamentos são suplantados por outros agrupamentos. O autor assim afirma que as consequências humanas sempre foram de maior preocupação do que suas origens e motivos e que essa deveria ser uma plataforma razoável tanto para acadêmicos quanto para políticos.