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Digital Humanities – casos de estudo

Neste capítulo, os autores apresentam um portfólio de casos (cases) imaginários, mas, baseados em projetos reais. São exemplos de como compor recursos necessários, montar equipes e lançar projetos Digital Humanities. A intenção é fornecer um arcabouço (framework) com estas novas práticas das humanidades. São discutidos cinco casos obedecendo o formato:

  • Descrição
  • Métodos
  • Plano de trabalho
  • Disseminação e participação
  • Avaliação

Caso 1: Mapeamento de geografias diferenciadas (o novo mundo de reservas)

Alia mapeamento em camadas (thick mapping) e análise de textos, data mining e processamento de linguagem natural. A versão estendida do projeto provê uma arquitetura colaborativa que possibilita anotações, debate, readequação das representações cartográficas e visualização de textos.

Questão: Como modelar as diferenças entre os conceitos de mapeamentos dos nativos e dos europeus na época dos primeiros contatos dos colonizadores. Por exemplo: para os nativos, rios e estradas eram vistos como rotas de transporte e possuíam uma cartografia verbal, já para os europeus, somente as estradas eram vistas como transporte, e possuíam uma cartografia visual; para os europeus, o território era representado por penhascos, linhas costeiras, portos, e baías como meios para adentrar no interior desconhecido, para os europeus as fronteiras eram demarcados por medidas físicas, já os nativos viam o território como extensão e atividade, ocupação e movimento sazonal da tribo, sendo que as fronteiras eram demarcadas por uma ordem social.

Método: Marcação estruturada, análise dos termos no contexto, estudo da mudança da nomenclatura ao lodo do tempo. Além disto, foram realizados estudos verticais e laterais que contribuíram para análise e rastreamento do vocabulário e pessoas. Alguns documentos ainda estavam escritos à mão, necessitando o uso de OCR (reconhecimento ótico de caracteres). O processamento de linguagem natural ajudará na determinação do contexto do documento, uma vez que o contexto é determinante do vocabulário.

O objetivo é criar simulações cartográficas de uma visão alternativa do mundo que não faça referência aos sistemas geoespaciais europeus, mas, sim, baseado na experiência do nativo. As diferentes camadas projetadas no mapa apresentarão diferentes visões do novo mundo, como espaço literal e metafórico de cantos transculturais. Outra técnica a ser aplicada é o Distant Reading, em que é considerada a mineração de um volume muito grande de dados, por exemplo, no lugar de ler um livro somente, são analisados duzentos ou mais livros do período Vitoriano, a fim de determinar aspectos culturais daquela época.

Plano de trabalho:

  • Identificar fontes de textos e mapas
  • Obter permissões e versões digitalizadas
  • Teste da análise do processamento de linguagem natural
  • Criar arquivo XML do vocabulário indígena
  • Criar uma lista com os fundamentos cartográficos na perspectiva dos índios
  • Analisar a diferenciação presente nas atitudes temporais e geográficas

Disseminação e participação: Será utilizada uma variedade de meios digitais e não digitais: blog especializado, pôsteres e painéis em conferências, mesas redondas virtuais em sala de aula etc.

Avaliação: Serão produzidos pareceres da estrutura de dados, escala de participação, avaliações dos alunos que usam as ferramentas etc.

Caso 2: Publicação expandida de um corpus textual de fragmentos de pairos da Biblioteca de Alexandria

Questão: um conjunto de fragmentos de papiros foi encontrado na Biblioteca de Alexandria. Eles são muito importantes, pois esclarece várias questões que não foram elucidadas ainda (como a adoção da escrita fenícia no norte da África). A tecnologia pode contribuir na coleta e integração dos dados inicialmente com a digitalização das imagens para que seja possível decifrar o texto, que foi produzido em várias línguas. Em seguida, será usado o NLP (processamento de linguagem natural) para identificar a língua. Deve-se criar também uma plataforma de anotações para registrar a colaboração de pesquisadores ao redor do mundo.

Método: Serão empregados: tradução/decifragem colaborativa, distant reading

Disseminação e participação: Twitter e feed RSS.

Caso 3: Espaços e objetos aumentados: objetos de judeus na diáspora

Questão: um museu universitário tem uma extensa coleção de roupas, objetos de rituais e registros de cerimônias de famílias judias da Polônia. Estes objetos foram obtidos graças a várias gerações, mas nem tudo tem a sua proveniência nem a devida documentação. A coleção é composta de contribuições de antropólogos (pesquisa de campo) e alunos (acervos de famílias). Nestas condições, alguns objetos têm origem controversa (roubados? Apropriados pelos nazistas?). O foco principal é a digitalização das coleções e criação de exposições críticas para o público, educação e pesquisa, explorando as dimensões intelectual, crítica, ética e política de maneira aumentada. Pretende-se, assim, apresentar a história da diáspora contada a partir do movimento das coisas e os rituais ao redor do seu uso.

Tecnologia: serão empregadas ferramentas de visualização (os artefatos serão apresentados de maneira isolada/autônoma; no lugar de etiquetas será apresentada uma matriz de dados multimídia), mapeamento das relações entre objeto-objeto e objeto-ritual.

 

Caso 4: Reconstrução de um campo para refugiados afegãos como um sítio para a memória cultural

Questão: O projeto propõe a reconstrução virtual de um campo de concentração afegão (invasão soviética de 79) como um palco de reconciliação, testemunho, memória e celebração. Será construído um repositório de fotos, vídeos, áudio, cartas e outros materiais. As narrativas coletadas possibilitam a simulação da rotina diária do campo. A gameficação faz com que esta experiência seja revisitada sem o trauma (como o Second Life). Todavia, algumas questões mantêm-se nevrálgicas: manter sigilo das fontes, falsos testemunhos, monitoramento, entre outras.

Caso 5: Investigação locativa multi-autoral do arquivo corporativo e do head quarter da Zenom Co.

Questão: um arquivo de documentos da Zenom Co. foi encontrado num cofre durante trabalhos de restauração do prédio. Equipes multidisciplinares da Universidade de Illinois, Chicago, têm estudado as correspondências comerciais, memorandos, notas de reuniões, agendas e notas pessoais. Alguns são escritos à mão, outros são editados à mão, e ainda, outros são datilografados. A importância destes documentos é que eles são de um período em que a Zenom, em parceria com a UIC, estava desenvolvendo um projeto secreto para o exército americano: um sistema de computação distribuído, o que muitos historiadores culturais pensam ser um embrião da Internet). Muitos acontecimentos permanecem obscuros devido ao caráter sigiloso do projeto e da tensão do pós-Grande Depressão que tomou conta dos EUA. Uma equipe interdisciplinar criou um aplicativo para tablets em que o visitante pode parar frente a alguns pontos do prédio e desnovelar/descobrir alguns destes acontecimentos que permaneceram escondidos. Entre os profissionais envolvidos neste projeto, encontram-se: designers de interface, estudantes de doutorado em estrutura da informação e modelos do conhecimento e um professor adjunto que trabalha com o desenvolvimento de aplicações para tablets.

Os objetivos do projeto são:

  1. Criar um sistema de gerenciamento de conteúdo que permita a criação colaborativa de textos, metadados, anotações e imagens;
  2. Criar uma interface de navegação 3D intuitiva, controlada pelos usuários;
  3. Construir representações de dados sofisticadas (em camadas).

Disseminação e participação: a aplicação ficará disponível para download online. A disponibilidade será divulgada em redes sociais e em instituições específicas. O site do projeto continuará a ser ponto de encontro entre os usuários e a equipe de desenvolvedores.

Avaliação:

  1. Testes de interação com o usuário
  2. Métricas do usuário serão levantadas em redes sociais
  3. Número de downloads, feedback direto etc.

 

(Texto por João Neto)