Notícia

Mapas/Antimapas – Desenhando na Restrição

BIRDS

[Pássaros no monumento Interceptor Oceânico, de Sérvulo Esmeraldo. Conhecido popularmente como “Chifre do Governador”, é um dos marcos da Beira Mar de Fortaleza (CE). Aqui, a imagem acompanha uma geotag que a indica como sendo proveniente da Avenida Antônio Carlos Magalhães, em Salvador (BA)]

Mapas colaborativos, criados pela soma de percepções e experiências particulares de vários indivíduos sobre determinados temas do mundo (melhores restaurantes, áreas violentas, buracos no asfalto etc.); mentais, organizando graficamente as relações entre pensamentos, a estruturação deles; afetivos, que indicam o como os lugares se fincam no psicológico, na memória das pessoas (um desenho do meu bairro, da primeira casa na qual morei, do mundo de um jogo eletrônico). Seja focando as possibilidades de tecnologias digitais ou afastando-se diametralmente disso, a problematização sobre cartografias nos parece bastante viva, mesmo que não estejamos mais em épocas de Grandes Navegações – ao menos não no sentido histórico mais comum do termo. Vivemos outra era e outro tipo de tentativa de re/descoberta do mundo?

São muitos os temas relacionados, mesmo se tentarmos apenas enumerar e classificar os mais ligados a pesquisas em “cibercultura” e à interface de algumas áreas com as Tecnologias de Informação e Comunicação: aplicativos cujas funções baseiam-se na “consciência” do ambiente ao redor, modificando-se a partir dele e/ou agindo com ele/nele de maneira integrada; projetos como o Google Maps ou o Google Street View; redes sociais com opções para georreferenciar o local de emissão de mensagens. Foursquare. GPS. Maneiras de desenhar a partir do deslocamento físico ou de recuperar dados sobre os lugares que estivemos. Programas que propõem metodologias para o perder-se (ou o entregar-se a ser dirigido por outro), o aventurar-se, o desbravar. ARGs. Espionagem e privacidade. Arte. Cidade e espaço. Discussões mais ou menos inclusas umas nas outras, mais ou menos afastadas entre si.

Inserido nesse contexto está um experimento que realizamos este mês, entre os dias 03/05 e 09/05, intitulado Antimapa – Fortaleza, Bahia[1], em parceria com o Wi-Fi Salvador, que pode ser descrito de tal forma: andamos por Salvador de posse de um smartphone cuja memória possuía uma base de dados composta por imagens de Fortaleza, fazendo então uploads delas no Instagram. Desta forma, seja tal disparidade indicada tão somente pelas legendas (no caso de fotos cuja “naturalidade/origem” não fica clara), seja quando é possível reconhecer-se marcos de Fortaleza, ou ainda o contrário, quando se sabe que determinada parte de Salvador não se parece com o retratado, tentamos criar um mapa imagético que simplesmente não corresponde ao “factível”.

 

LARGO

[O Jardim Japonês, praça de Fortaleza erigida recentemente em homenagem aos imigrantes nipônicos. Na geotag, a indicação do Largo do Campo Grande, em Salvador. Uma rápida pesquisa na opção de mais fotos sobre o mesmo local, disponível no aplicativo do Instagram – mas não na versão para web browser –, pode indicar rapidamente a falta de semelhança a outras fotos do local]

 

Restrições, funções

Tal perambular por Salvador, entretanto, não foi totalmente livre. Ao contrário, impomo-nos, como restrição, que o processo de postar imagens só seria feito em locais nos quais pudéssemos acessar redes Wi-Fi pré-existentes (como totens de transmissão disponibilizados pela prefeitura, sinais livres de Shopping Centers ou centros culturais etc.), numa tentativa de utilizar a própria infraestrutura de conexão da cidade. Isso com base no mapeamento de hotspots feito pelo Wi-Fi Salvador (antes através de uma página na web, mas agora através com um aplicativo em desenvolvimento com base em recursos fornecidos pelo edital do Fundo de Cultura da Bahia – FCBA, categoria Culturas Digitais, da Secretaria de Cultura estadual). Assim, também nos apropriamos de uma política de livre difusão do conhecimento, tão cara à cibercultura.

Além, escolhemos o Instagram por ele ser um dos marcos recentes de uma cultura (bastante estudada) de partilhamento de imagens, sem nos esquecer da particularidade dos populares “filtros” do aplicativo (processos de manipulação automatizados que, para alguns, servem pra deixar “a vida mais bonita”, algo que atrai tanto apoiadores, mais ou menos críticos, de tal estética, quanto debatedores preocupados com uma “sociedade de aparências”).

O que, entretanto, mais nos chamou a atenção no Instagram é o entendimento nosso dele como uma galeria de arte específica para dispositivos como smartphones e tablets, acessível (caso os aparelhos estejam conectados à internet) mesmo em situação de deslocamento. Complementarmente, nos interessou a função (não exclusiva) de agrupar as fotos (caso possuam geotags) de um mesmo local, tornando possível tanto a comparação (no nosso caso, do contraste entre as fotos que outros usuários postaram referentes a determinados lugares em oposição às nossas, de Fortaleza), quanto a visualização, literalmente, num mapa.

MAPA

[Detalhe do mapa criando pelo nosso descolar e postar de fotos em Salvador]

No fim, o resultado é um mapa funcionalmente errado, que pode desde deixar confuso quem observe as imagens sem procurar saber mais do projeto, até mesmo levando alguém a procurar uma marco inexistente em Salvador. Incoerente, mas ainda assim um mapa. De quê?

Para ver o projeto no Instagram, basta procurar o usuário @antimapa
Versão para web (sem muitas das funcionalidades da versão app): http://instagram.com/antimapa
Tumblr do projeto: http://antimapa.tumblr.com/
Leonardo Ferreira, mestrando em Comunicação e Cultura Contemporâneas – Cibercultura –  na Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro do Lab404 e autor do Antimapa.


[1] Parte da segunda etapa do Projeto Álbum (um dos contemplados pelo Edital das Artes 2010, realizado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, através da Secretaria de Cultura – Secultfor), cuja primeira consistia em uma “residência na solidão” na qual quatro fotógrafos moradores de Fortaleza, separados entre si, foram convidados a passar uma semana hospedados em hotéis/pousadas quaisquer dentro da cidade, procurando não manter contato com as próprias rotinas (pessoas e lugares). Isso munidos de equipamentos fotográficos amadores capazes de captar imagens e sons. No estágio atual, o proponente do laboratório, tendo como material de trabalho todas as fotografias e áudios obtidos na fase anterior, passa a realizar uma série de experimentos e manipulações mais ou menos conectados uns aos outros, podendo ou não estabelecer diálogo direto com as discussões do momento anterior.