Resenhas

Resenha de Mobilities de John Urry, capítulos 4 a 6

Esquina em Toronto (Foto André Lemos)

Segue abaixo a resenha dos capítulos 4, 5 e 6. Por Leonardo Branco.

Capítulo 4 – Pavimentos e Trilhas

O Caminhar e o Mundo Social – Este capítulo discute as forma de movimentação que servem de base para a maioria das mobilidades. Para Urry, o caminhar gera impressões na superfície da terra e as trilhas revelam as atividades sedimentada de uma comunidade.

Caminhando pelas Ruas – Nessa seção o autor examina algumas características do caminhar pelas ruas das cidades modernas. No século XVIII os caminhantes vinham de todas as classes, exceto das elites que acionavam outros caminhantes que os carregavam (em cadeiras).

A pavimentação em Londres permitiu novos papeis aos pedestres. As ruas pavimentadas tornaram-se locais da boemia masculina. Assim, a boemia converteu a cidade num espaço de fluxos.

No caso de Paris, com a reforma de Haussmann em meados do século XIX, foi constituída uma rede de bulevares. Esses espaços eram centrais nesta proposta de reconstrução da cidade. Em função dessa arquitetura, as pessoas podiam enxergar bem à distância, pela primeira vez em uma cidade, e poderiam vislumbrar para onde estavam indo e de onde vinham.

A atmosfera dos bulevares gerou um novo tipo urbano e solitário, vagando pela cidade, apto a se perder nas multidões (o flâneur). Tal caminhada envolvia o prazer visual, a imersão na multidão, o consumo de novos bens e o desenvolvimento geral do lazer.

Para Urry, quanto mais diverso for o publico que caminham, mais seguro é o ambiente. A heterogeneidade torna o ambiente interessante e seguro para aqueles que fazem a caminhada na presença de estranhos. Quanto maior a diversidade de atividades na rua, mais prováveis as interações.

Utilizando Goffman em sua análise o autor vai dizer que andar na multidão não é um ato desorganizado, ou seja, as pessoas raramente batem umas nas outras. As multidões de pessoas fazem uma enorme quantidade de pequenos e sutis ajustes, passos e direção. Para Goffman essas são tecnologias que os pedestres empregam para evitar se bater uns nos outros.

Caminhada campestre –  A caminhada a lazer no campo é um comportamento historicamente incomum. Em geral as áreas rurais eram lugares de trabalho, pobreza e movimentação forçada (andar para trabalhar). Os caminhantes nas áreas rurais eram vistos como indesejados (perigosos). Todavia, isso vai mudar quando a elite inglesa assume viagem pedestre como uma experiência valiosa e educativa, tornando-se moda caminhar distâncias e sair em tours de caminhada, contudo o caminhante não devia vagar sem destino. Ele devia trilhas que já foram caminhadas antes, isto asseguraria a estabilidade dentro da natureza (diferente do flâneur).

Gradualmente, os mapas tornaram-se disponíveis aos leigos, foram democratizados, de modo que os caminhantes poderiam carregá-los em suas expedições. Na Inglaterra do século XX, houve uma contestação dos direitos de ir e vir e isto envolvia o mapeamento que promoveu a institucionalização do acesso (legislação).

Por fim, nesse capítulo, John Urry destaca quatro questões que envolvem o ato de caminhar, a saber: caminhar necessariamente é uma aventura? Caminhar deve ser é algo solitário que alimente a reflexão ou um processo coletivo que estimule a sociabilidade? Caminhar deve estar associado com uma de saúde e condicionamento físico? Caminhar pode transformar as condições materiais com que se pratica a caminhada?

Capítulo 5 – Trens Públicos

Movimentando-se em Público – Neste capítulo, o autor trata de algumas tecnologias que ele denomina de maiores, pois envolvem grandes transições históricas. Vai focar especialmente na ferrovia e suas consequências para a vida moderna, além de analisar as reconfigurações do espaço, do tempo e das sociabilidades promovidas pelo sistema ferroviário.

Na opinião de Urry, o sistema de mobilidade da ferrovia conecta pessoas localizadas em diferentes lugares por meio de novas rotas. Assim, O espaço público se torna móvel e conectado surgindo um conjunto de processos que atenua a divisão espacial entre o público e o privado.

Mecanizando o Movimento – Sobre modernidade, Urry diz que é o momento em que as máquinas são vinculadas à experiência humana. Vai afirmar que as máquinas não podem ser consideradas como algo marginal, já que servem para constituir uma vida humana que não pode ser vivida sem elas.

Com o trem,

pela primeira vez na história, as máquinas de grande porte vão estar dentro da experiência cotidiana das pessoas. Um aparato mecânico poderoso e rápido (maquina ferroviária) é colocado como um aspecto familiar da vida cotidiana.

O autor vai definir os sistemas de mobilidade (de pedestres e cavalos) como de série, uma vez que cada componente é mais ou menos igual a todos os outros (uma série). Já a ferrovia inicia um sistema de nexo onde diferentes partes (trilhos, trens, estações, sinais) têm de funcionar juntas como um nexo rígido. Sem o nexo, os elementos em separado não existem. O todo só é capaz de funcionar se cada componente funcionar diz Urry.

Timetables –  Na era pré-industrial a maioria das cidades inglesas mantinha sua hora local própria, fazendo com que as ferrovias tivessem que ajustar os horários de acordo com os diferentes tempos das cidades. Um horário padronizado foi então estabelecido a nível nacional a partir da hora de Greenwich. Essa institucionalização do tempo (a hora de relógio do cronograma ferroviário para Urry) produziu uma mobilização pública e um culto da pontualidade. O autor vai dizer que existiu uma expulsão do tempo vivido pelo tempo do relógio.

Algumas características do tempo do relógio vão ser apontadas pelo autor, a saber: a quebra do tempo em unidades, o desacoplamento do tempo das práticas sociais, o uso amplo de meios de medição (relógios, relógios de pulso e de bolso, calendários, agendas, sirenes, sinos, diários), o caráter de cronograma das atividades de trabalho e lazer, o uso do tempo como um recurso que pode ser poupado e a transformação científica do tempo em unidades de medições.

Espaços – As ferrovias promovem efeitos espaciais de duas formas: primeiro parecem encolher o espaço através da ligação entre alguns lugares e eliminando os lugares intermediários e depois expandem o espaço ao conectar lugares que de outra forma jamais estariam conectados. Urry vai dizer que o poder mecânico da ferrovia cria seu próprio espaço, ligando muitos lugares diferentes (enquanto, exclui outros).

O desenvolvimento da ferrovia gerou consequências para o começo do turismo. As ferrovias transformaram os lugares num sistema de circulação, transformando o que antes eram espaços distintos em bens de consumo.

A ferrovia do século XIX também inaugurou dois locais de sociabilidade, o compartimento de trem e a estação. No primeiro, muitas distinções sociais surgiram entre os viajantes (diferentes tipos de vagão para cada extrato social). Esses trens refletiam o sistema de classes que emergia com o capitalismo industrial. Por sua vez, na estação um novo tipo de espaço público surgia dentro da Europa e América do Norte, com as estações exercendo papéis centrais na reorganização do espaço. As estações eram lugares de intercâmbio social inesperado e contingente.

Capítulo 6 – Habitando Carros e Estradas

Uma Breve História – Neste capítulo, Urry examina o crescimento do sistema automobilístico. Esse sistema estabeleceu uma nova forma de organizar o tempo, uma vez que os motoristas de carro podia desenvolver seu próprio roteiro da vida social. Desta forma, iniciando uma ampla gama de outros espaços que iam além do vagão e da estação de trem (incluindo o interior do carro como um lugar de habitação).

O desenvolvimento do sistema automobilístico foi favorecido por normas governamentais que promoveram a construção de estradas. Houve a união do carro com as noções utópicas de progresso (não ter estradas era ficar para trás). Discursos de que os pedestres deveriam se comportar adequadamente de modo a conseguir atravessar uma rua com segurança contribuiu para o domínio desse sistema sobre os outros.

A automobilidade e sua expansão – Urry abre o tópico falando que o carro é um meio de vida, e não só um sistema de transporte para ir de um lugar a outro. Seis aspectos são descritos: em primeiro lugar para muitos setores da ciência social a indústria de carros é o próprio capitalismo; outro ponto é que a propriedade do carro é um sinal da idade adulta (rito de passagem), uma marca da cidadania e a base da sociabilidade; o carro interliga uma rede formada por autoridades de licenciamento, refinarias, construção e manutenção de estradas, hotéis, vendas de carro e oficinas mecânicas, propaganda, design e planejamento urbano; o sistema de carros subordina os outros sistemas de mobilidade (caminhada, ciclismo, viagem de trem); a cultura automobilística é uma cultura dominante produzindo discursos do que constitui uma boa vida e do que é necessário para ser um cidadão moderno e móvel e por fim o sistema de carros gera um uso de recursos massivo do ambiente e uma escala extraordinária de mortes e ferimentos.

Automobilidade e espaço-tempo – O autor acredita que a automobilidade não é nem socialmente necessária, nem seu desenvolvimento foi inevitável, mas tendo sido estabelecida, parece impossível de ser rompida. Um exemplo é que o carro é bem mais flexível do que o avião, pois permite à maioria dos motoristas entrarem no carro e darem partida sem pedir permissão.

O sistema de carros reorganizou o tempo e o espaço a partir de quatro aspectos: Primeiro dividindo as territorialidades do lar, do trabalho, dos negócios e do lazer que antes estavam integradas; depois separou os lugares do trabalho das residências; desagrupou lares e distritos de negócios e finalmente fracionou os lares e os lugares de lazer.