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Movimento Desocupa lança mapa colaborativo

Já está no ar, há  cerca de um mês, um mapa colaborativo lançado pelo Movimento Desocupa, de Salvador. Chamado de “RadarDesocupa”, ele tem como objetivo, de acordo com o que está em seu site “dar visibilidade aos processos de ocupação irregular de espaços públicos e áreas de proteção ambiental, evidenciando ao mesmo tempo os esforços da sociedade civil em resistir a estes processos hegemônicos de substituição do interesse público pelo interesse privado em todas as esferas da gestão municipal”.

Foto: Nelson Oliveira

Para quem não sabe, o Movimento Desocupa surgiu em janeiro de 2012, depois que o prefeito João Henrique aprovou polêmicas mudanças na Lei Orgânica de Uso e Ordenamento do Solo (LOUOS), após votação na Câmara Municipal de Salvador. O movimento reagiu a emendas como a ampliação do gabarito da orla marítima, permitindo a construção de prédios de até 27 pavimentos (54 metros) e permitindo que os edifícios exerçam sombreamento nas praias antes das 10 horas e a partir das 14 horas, a extinção do Parque Ecológico do Vale Encantado – área de reserva de mata atlântica, com um milhão de metros quadrados, localizada entre a Avenida Paralela e a orla -; e a criação de nove  perímetros destinados à construção de hotéis – do Lobato, no subúrbio ferroviário, a Itapuã. O movimento ganhou bastante notoriedade no carnaval deste ano, quando fez manifestações contra a construção – com o aval da prefeitura -de um camarote em uma praça pública recém-reformada, no bairro de Ondina.

O movimento e o mapa geram uma discussão bastante frutífera sobre a cidade, a ocupação dos lugares e também sobre as caixas-pretas de Salvador. Caixa-preta, um dos conceitos fundamentais da Teoria Ator-Rede, de acordo com André Lemos, “um ‘conjunto’ tão estável e bem resolvido que nos relacionamos com ele e não prestamos muita atenção. Ele desaparece em um fundo quando tudo está bem”, e só aparece quando é questionado e evidencia um problema ou controvérsia.

O pesquisador escreve, em uma postagem de seu blog justamente sobre as caixas-pretas soteropolitanas, que abrir caixas-pretas é essencial para compreendermos e questionarmos a realidade, mas atenta: em Salvador, as caixas-pretas estão escancaradas. De acordo com o autor, “o nosso problema aqui (em Salvador, mas seria também no Brasil?) é que não há mais caixas-pretas. Tudo está aberto, escancarado, revelando de forma tão visível, límpida e até mesmo pornográfica, as entranhas complexas (sociais, econômicas, políticas, técnicas, culturais…) dos seus problemas”.

O mapa do Desocupa certamente evidencia alguns problemas que muitos já conhecem, mas também se aprofunda em elucidar algumas questões, explicando trâmites legais e o status dos problemas, mas também propondo soluções e alternativas à cidade – vide a ação dos “canteiros coletivos”, na qual alguns ativistas tem proposto a criação de canteiros com espécies da flora local, em espaço público. Uma atitude semelhante à de empresas que adotam praças, mas de forma pessoal.

Além disso, o mapa ajuda a perceber, em melhor escala, problemas urbanos de regiões da cidade – além, como já foi dito, de mostrar o que tem sido feito por órgãos públicos e cidadãos para solucioná-los. Fora do discurso oficial – característica marcante dos mapas colaborativos, que nasceram na era das funções pós-massivas -, o mapa tem produção descentralizada e personalizada, e oferece a possibilidade de uma representação mais aberta dos lugares. Também, de acordo com os estudos feitos por Leonardo Lima (In: O mapeamento colaborativo como fenômeno da geografia da comunicação, 2010), pode “construir laços de pertencimento com o território urbano desenvolvendo uma espacialidade a partir de fluxos de comunicação descentralizados e horizontais”.

O RadarDesocupa pode ser classificado, usando a perspectiva de Lima, como mapa de infraestrutura, por tratar de “temas que conferem mobilização e denúncia, reforçando a solidariedade urbana e possibilitando uma sensação de pertencimento à cidade”, e, principalmente, por colocar em questão “a manutenção dos espaços públicos nas cidades”. Mais um questionamento bem vindo à cidade, que passa por uma crise política e social bastante visível. Esperamos que seja uma ferramenta importante para o salto que precisamos: o da ação.