Resenhas

A convergência midiática na visão de Henry Jenkins

O blog do GPC publicará, periodicamente, resenhas produzidas pelos integrantes do grupo. Inicio minha contribuição apresentando um texto sobre o livro “Cultura da Convergência”, de Henry Jenkins. O autor coordena o Programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachusets Instituct of Tecnology (MIT) e assina diversos trabalhos que investigam a relação entre as midias e a cultura popular.

A Comunicação Social passou por uma considerável mudança nos últimos anos. Agora, a informação pode circular de forma intensa por  diferentes canais, sistemas midiáticos e administrativos. Cria-se um fluxo devedor da participação ativa dos consumidores, que elege a inteligência coletiva como nascente de seu potencial. Na atualidade, os conteúdos de novas e velhas mídias se tornam híbridos, reconfigurando a relação entre as tecnologias, indústria, mercados, gêneros e públicos. Ocorre um cruzamento entre  mídias alternativas e de massa que é assistido por múltiplos suportes, caracterizando a era da convergência midiática.

Em Cultura da Convergência, Henry Jenkins, propõe um conceito para definir as transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais percebidas no cenário contemporâneo dos meios de comunicação. O autor analisa o fluxo de conteúdo que perpassa múltiplos suportes e mercados midiáticos, considerando o comportamento migratório percebido no público, que oscila entre diversos canais em busca de novas experiências de entretenimento. Jenkins fundamenta seu argumento em um tripé composto por três conceitos básicos: convergência midiática, inteligência coletiva e cultura participativa. Inteligência coletiva refere-se à nova forma de consumo, que tornou-se um processo conjunto e pode ser considerada uma nova fonte de poder. A expressão cultura participativa, por sua vez, serve para caracterizar o comportamento do consumidor midiático contemporâneo, cada vez mais distante da condição receptor passivo. São pessoas que interagem com um sistema complexo de regras, criado para ser dominado de forma coletiva. Por fim, a ideia de convergência proposta pelo autor não é pautada pelo determinismo tecnológico, mas fundamentada em uma perpectica culturalista. Neste sentido, ao longo das páginas, Jenkins vai articular três noções fundamentais de seu argmento: a convergência midiática como processo cultural e não tecnológico; o modelo da narrativa transmidiática como referencial da noção de convergência; o conceito de economia afetiva, que serve para pensar o comportamento de consumidores e produtores na contemporaneidade.

Logo na introdução, Jenkins aponta o telefone celular como exemplo representativo do período que estamos vivenciando, ressaltando o papel central que o aparelho desempenha em diversas situações, dentre elas as estratégias de marketing. Admite que estes dispositivos desprenderam-se da condição de mero telefone, tornando-se ferramenta importante para produção, envio e recebimento de vídeos, músicas, fotos e jogos eletrônicos. Jenkins ressalta a apropriação dos dispositivos móveis pelos participantes de experiências urbanas de entretenimento, como os jogos de realidade alternativa (ARGs). Por outro lado autor mostra-se preocupado em frisar que a proposta de convergência desenhada no livro não é tecnológica, não ocorre por meio de aparelhos multifuncionais, como muita gente acredita – engano que ele chama de a falácia da caixa preta. O conceito de convergência, proposto por Jenkins, refere-se ao paradigma configurado para representar a mente dos consumidores individuais e que pode ser percebido em suas interações sociais, nas formas de consumo e nas relações dos usuários com a tecnologia contemporânea.

Para desenvolver seu argumento, no primeiro capítulo Jenkins examina a comunidade criada em torno do reality show americano Survivor, à luz da noção de inteligência coletiva. O autor explica o fenômeno dos spoilers, grupo de consumidores ativos que reúnem seus conhecimentos para tentar antecipar fatos da série antes mesmo deles irem ao ar. O tipo de conhecimento adquirido pela audiência destes programas é impossível de ser reunido em uma só pessoa, deve ser guardado coletivamente. Para Jenkins, esta idéia se contrapõe ao paradigma do expert – um corpo limitado de informações que pode ser dominado por apenas um individuo. Na era da convergência midiática a inteligência coletiva é predominante.

O capítulo dois focaliza American Idol, outro fenômeno da chamada Reality TV, com base em um escopo mercadológico.  Jenkins constrói o conceito de economia afetiva, oferecendo insumos para auxiliar no entendimento destes programas, na compreensão do contexto em que a TV americana está operando e no comportamento do consumidor contemporâneo. A economia afetiva relaciona-se diretamente com a participação do público, procurando entender os fundamentos emocionais dos consumidores funcionando como catalizador das decisões de audiência e compra. Cita uma série de exemplos para explicar como os produtos midiáticos contemporâneos, dentre eles o famoso game American Army, podem afetar a mente do público e influenciar diretamente a tomada de decisões. Jenkins encerra este capítulo explorando algumas comunidades formadas em torno de marcas, destacando os poderes do que ele denomina voz coletiva.

No terceiro capítulo, Jenkins analisa franquia Matrix para explicar o conceito de narrativa transmidiática. Trata-se de um estilo de narrativa que exige maior envolvimento do público para entender um complexo universo ficcional. Nestes casos, para acompanhar a história em sua plenitude, é preciso interagir com o conteúdo espalhado em diversos tipos de canais e mídias. As narrativas transmidiáticas, segundo Jenkins, asseguram uma experiência mais rica em termos de entretenimento.

Ainda neste capítulo, Jenkins analisa fenômeno A Bruxa de Blair (EUA, 1998), destacando seu pioneirismo como experiência de narrativa transmidiática. Os alternate reality games (ARGs) ou jogos de realidade alternativa, no mesmo sentido, são citados como exemplos que refletem o paradigma da convergência midiática e a idéia da inteligência coletiva. Os ARGs são narrativas lúdicas que envolvem seus participantes em complexos ambientes de informação, forçando-os a lidar com série intensas de puzzles e estimulando a idéia de inteligência coletiva. Jenkins cita o jogo The Beast (Microsoft, 2001), ARG do filme Inteligência Artificial, para defender suas ideias de criação coletiva e domínio de conhecimento. Jenkins conclui que um ARG bem feito pode renovar as maneiras com as quais o público pode interagir em espaços reais e virtuais.

O capítulo quatro é dedicado ao entendimento da cultura participativa, através do exame da relação dos fãs com algumas franquias famosas, como a série Guerra nas Estrelas. Jenkins apresenta argumentos que  nos mostram  como o paradigma da convergência vem transformando a cultura de massa, analisando algumas peças produzidas pelos fãs de Star Wars, na web, como o curta Lucas in Love. Este filme, especialmente, reflete uma das formas que os fãs podem se apropriar dos elementos introduzidos por George Lucas, no cinema, e criar seus próprios produtos com base no conteúdo dos filmes.

Ainda com relação a Guerra nas Estrelas, outro exemplo representativo citado por Jenkins é o MMORPG (jogos eletrônicos para múltiplos usuários) Star Wars Galaxies e sua relação com a galáxia concebida por Lucas, na película Neste ambiente, os jogadores encontram insumos e ferramentas para interagir em um universo configurado à luz de dos filmes de Star Wars. Nos mesmo passo, o game consegue atualizar a discussão sobre comunidades virtuais e inteligência coletiva. Como resultado, as observações de Jenkins sobre Star Wars Galaxies nos mostram como os estúdios de George Lucas estabelecem uma relação mais aberta e cooperativa com a principal base de consumidores de Guerra nas Estrelas: os fãs.

O quinto capítulo segue a mesma a mesma linha de seu anterior. Contudo, o foco de Jenkins recai sobre a política da participação, percebida no conflito entre os fãs de Harry Potter, a Warner Bros – estúdio que comprou os direitos do  livro – e grupos conservadores cristãos.Influenciado por suas raízes no campo da educação, Henry Jenkins critica a argumentação pejorativa destes coletivos sobre os livros, os quais diversos professores consideram  um incentivo para os jovens leitores. Jenkins dispara contra os conservadores cristãos, que atacam a globalização e a lógica da convergência midiática com seus argumentos tradicionalistas, desconsiderando a transformação cultural vivenciada na sociedade contemporânea. Um dos alvos das críticas feitas pelos conservadores é o formato da narrativa transmidiática. Os grupos consideram perigosa a idéia de construir um universo ficcional e forçar os consumidores a investir mais tempo para dominar estes ambientes, do que enfrentar os problemas do mundo real.

O sexto e último capítulo do livro é dedicado à analise da cultura pública. Jenkins se debruça no conceito de convergência para ilustrar a disputa presidencial americana de 2004, mostrando caminhos para tornar a esfera política mais participativa. Neste caso, o autor sustenta a hipótese de que a cultura popular moldou a forma como o público processou e reagiu ao discurso político dos candidatos, proferido na ocasião destas eleições. Jenkins ressalta o papel decisivo de táticas percebidas em estratégias como o marketing viral e a força de movimentos botton-up, como as smarts mobs. O autor apresenta e discute o conteúdo produzido pelo público para atacar certos candidatos à presidência dos EUA em 2004, como montagens de imagens alternativas feitas sobre fotos de campanha.

Finalmente, Jenkins conclui seu livro ressaltando que a ideia da convergência midiática serve para traduzir as mudanças nas formas de relacionamento do público com os meios de comunicação. O autor observa que, por enquanto, estamos experimentando esta reconfiguração através da nossa relação com a cultura popular e o entretenimento comercial, atividade que fatalmente ajudará na compreensão das dinâmicas sociais e movimentos culturais da próxima década. Jenkins propõe que, no futuro, as habilidades adquiridas nestes processos apresentarão implicações consideráveis no modo como aprendemos, trabalhamos, participamos de procedimentos políticos, et cetera. O próximo passo a ser dado pelas pessoas engajadas em atividades como as descritas em  Cultura da Convergência é aplicar as habilidades desenvolvidas,a partir do contato com  entretenimento comercial, na solução de questões com maior amplitude social, política e mercadológica.

JENKINS, Henry, Cultura da Convergência. São Paulo :Aleph, 2008 (Edição em português)

One thought on “A convergência midiática na visão de Henry Jenkins

Comments are closed.