Resenhas

Shaping Technology – Capítulo 2: O que é uma patente?

(Parte da primeira medição de resistividade elétrica de Schlumberger para a Pechlebronn Oil Company)

No segundo capítulo de Shaping Technology, Geof Bowker atenta para a construção discursiva de escritórios de registros, tribunais, academia/jornais científicos, companhias desenvolvedoras etc. no patentear de uma tecnologia de exploração petrolífera, a medição elétrica de Schlumberger. Expondo a “batalha” por um real com validade jurídica e entre os pares científicos, mas que também sirva à disputa de mercado, o autor trata da fabricação da “história oficial” por narrativas que tencionam-se contrariamente.

É evocada, assim, a relação entre ciência industrial e advogados de patentes, tanto no sentido de registros como “armas” jurídicas das empresas, quanto em como o desenvolvimento tecnológico pode ser “substituído” pela compra de direitos, freado pela infração a eles e impulsionado – às vezes na impossibilidade da aquisição – a espaços ainda não cercados por propriedades alheias.

(Geof Bowker)

Em termos gerais, o autor trata de uma disputa que seria comum às patentes, entre versão “interna” e “externa”, dos conhecimentos técnicos específicos (científicos, jurídicos) versus as negociações relacionadas (domínio do mercado), problematizando como, para os atores envolvidos, ambas seriam “falsas”, porém ambas investidas enormemente, almejando a supremacia legal, mercadológica e histórica.

Como paralelo, toma-se a discordância de Richard Tawney e Hugh Trevor-Roper acerca das origens da revolução inglesa do século XVII, um levante marxista da classe média, para o primeiro; o esforço de uma aristocracia em declínio, para o segundo. As duas disputando o status de “a verdade”. A semelhança estaria nos três níveis das negociações: os jornais científicos / as cortes (a narrativa “interna”, batalha sob regras técnicas, acadêmicas ou jurídicas); as instituições do saber / o mercado industrial (a narrativa “externa”, da disputa sobre a supremacia/penetração de correntes de pensamento e empresas); e o “tribunal final”, a “realidade”, a crença das pessoas no que “realmente” aconteceu.

Uma rápida contextualização

 

(Conrad Schlumberger e o irmão, Marcel)

 O objeto de estudo de Bowker é a medição elétrica de Schlumberger:

1) Originalmente, a técnica de medição consistia em a) mandar sinais elétricos de um ponto A até um ponto B, b) mapear variações no campo gerado e c) calcular/interpretar tais dados, identificando bolsões de metal ou petróleo;

2) Uma adaptação consistia em não mais gerar os sinais, mas, simplesmente, mapear o campo da Terra;

3) Tal medição foi sobrepujada por uma técnica de medição sísmica;

4) Mudando os termos da disputa, Schlumberger partiu para área de amostragem de pontos específicos, antes pouco eficiente, desenvolvendo uma medição elétrica para dentro de buracos de escavação;

5) A novidade permitiu combinar mapeamentos gerais com amostragens locais, tornando a procura por petróleo mais precisa.

(Esquema do aparato de medição elétrica em perfurações)

O interesse do autor seria entender como a fabricação das patentes do caso teria ressonância como a tensão “interior/exterior” na criação da ciência – e da própria história.

Um resumo dos eventos

– Ruptura?

No texto, acompanhamos a complexa disputa Schlumberger versus Halliburton em duas frentes: a) a patente da medição geral nova e a necessidade de cruzamento com dados locais e b) a patente da medição geral nova e a medição antiga.

a) Para Halliburton, interessava uma visão na qual a patente de nova não descrevia o objeto técnico usado no campo. A técnica necessitava de modificações para as condições locais, como o próprio conhecimento do terreno – as variações do campo elétrico podiam indicar, por exemplo, água –, sendo o trabalho específico no tempo e no espaço, invalidando o registro geral e universal.

b) Mais além, tentou-se argumentar que a técnica de medição elétrica já seria utilizada desde os anos 1830 – no século anterior –, na procura de estanho, anulando a patente atual. Haveria uma ruptura apenas no foco (metal X petróleo), não no desenvolvimento da técnica, permitindo quebra de propriedade intelectual.

Conforme problematizado pelo autor, contra ou a favor de Schlumberger, o escopo das argumentações só tem sentido partindo do pressuposto que distinções, rupturas são importantes para a validação científica – a criação de algo “novo”.

– Reconhecimento

(Capa do primeiro paper dos irmãos Schlumberger sobre a medição elétrica) 

Em termos bastante gerais, a outra parte da disputa envolvia a pressão por publicações. Validação da medição, da área de pesquisa, do laboratório/empresa, fornecimento de argumentos jurídicos para a defesa da patente, Elétrica X Geofísica… A tensão pode ser resumida entre a necessidade de publicar esquemas pouco detalhados – e talvez, por gerais demais, não patenteáveis, indicando direções à concorrência – ou esquemas específicos demais – deixando espaço a outras patentes “semelhantes” que não chocassem diretamente com ela.

Novamente, em jogo o interno e o externo: revelar um “segredo industrial” antes de possuir o domínio do mercado para não se deixar esquecido, ignorado – ou roubado –, marcando território quando diminuía-se a importância de Schlumberger quando não mencionavam as pesquisas dele ou forneciam argumentos à “não novidade” da técnica, coro potencialmente prejudicial à validação da patente

Tais questões orbitariam a noção de os direitos protegem objetos técnicos “encaixapretados” (“black boxed”) ou “resolvidos”, “terminados”, que marquem ao mesmo tempo rupturas com outros objetos.

– Estratégias

Comprovações e manipulações de datas visando melhor recepção nos tribunais; compra de outras patentes para “cercar” legalmente uma invenção; interpretação e aproveitamento de brechas em registros; a pressão de mercado. Bowker narra algumas das estratégias do campo, como os “ataques de parasitas”: inventores especializados em verificar patentes e, dando ênfase a modificações e zonas não cobertas pelos direitos, criar novos registros, “inventando ao redor” de objetos técnicos prévios.

É destacada a disputa com a empresa de perfuração Lane Wells e seus caminhões: o grupo de Schlumberger temia o domínio de tal companhia no terreno da perfuração, prevendo uma possível expansão deles ao campo da medição elétrica de buracos. A solução ganhar antes o mercado de escavação, ambas tentando se aproveitar de possíveis brechas no projeto/área concorrente.

(Caminhão com os equipamentos de medição – 1932)

No fim, a empresa por trás de Schlumberger decidir abandonar a competição, também pelo perigo da acusação de monopólio. Essa retirada estratégica acabou por dificultar o acesso da Lane Wells à tecnologia da medição elétrica.

O medo da batalha nas cortes, porém, acabou sendo concretizado no caso Halliburton, que saiu vitorioso. Apesar disso, tal derrota não se mostrou tão prejudicial, pois Schlumberger já havia conseguido prolongar a disputa o suficiente para firmar-se no mercado.

(Versão mais avançada o caminhão de equipamentos – 1937)

– Campo

O autor faz um balanço no qual nenhum dos atores envolvidos acreditava que os objetos técnicos apresentados carregava em si uma ruptura que não precisasse ser sustentada discursivamente. Mais ainda, o próprio processo de debate seria uma importante “marcação de terreno”. Patentes seriam parte do processo de ganhar tempo e terreno, “força de mercado” ao atrasar concorrentes. No fim, nem a mensuração de campo nem a de amostragem seriam “revolucionárias” e totalmente eficientes em si, sendo imprescindível o conhecimento do território (avaliação do tipo de solo e existência de areia, o cheiro do petróleo e a relação com a quantidade de água etc.). A “criação de pureza” dos registros esconderia a ineficiência deles isoladamente, sendo, no fim, um trabalho de convencer os outros da importância daquele objeto técnico, criando hegemonia.

Conclusões

(“Quartel-general” da Schlumberger hoje, em Houston)

No fim, Schlumberger tornou-se “inevitável”, mesmo tendo perdido as patentes – as quais não “funcionavam” realmente da maneira pregada. Tal paradoxo deu-se pela habilidade dele em manipular o processo, criar contextos favoráveis, mantendo-se por tempo suficiente para que a realidade se alterasse. Ele foi capaz de, na tensão “interno/externo”, fazer o próprio nome perdurar, construindo a história.